“Mim gosta ganhar dinheiro”

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(ATENÇÃO: Pode conter spoilers do filme “Batman: O cavaleiro das trevas”)

Esta semana, estava saindo com meus amigos e assisti ao blockbuster da atualidade “Batman: O cavaleiro das trevas” duas vezes. A primeira vez foi o suficiente para eu notar os aspectos mais superficiais da história como o sutil Lamborghini de Bruce Wayne. Porém, ao assisti-lo pela segunda vez, passei a ter uma outra visão e notei aspectos realmente interessantes do filme em questão.
O Coringa foi o personagem que mais atraiu a minha atenção (e não apenas pelos aspectos visuais que contagiaram os espectadores menos analíticos) pelo seu caráter de ser o vilão menos vilão que recordo em minha mente. Não que ele seja bonzinho, pelo contrário, seria sadismo da minha parte considerá-lo símbolo do bem, mas os objetivos do Coringa são tão inteligentes que me surpreendo com este personagem. Podemos notar que ele é um “anticristo” do capitalismo, pois é um dos únicos (pois não tenho certeza de que seja o único) vilões que não busca domínio, dinheiro, ou seja, não possui a qualidade primordial para ser um vilão da atualidade. É só analisar as superproduções mais recentes, os vilões são aqueles que lavam dinheiro, assassinam por poder, fomentam ou mesmo controlam o tráfico de entorpecentes, ou seja, são os vilões do neoliberalismo, que buscam liberdade para ficarem cada vez mais ricos e poderosos, que pode ser considerado o ápice do status nos dias de hoje. Pois bem, a cena da queima do dinheiro deveria ser considerada emblemática, pois é a consagração da rivalidade entre superficialidade (riqueza e poder) e esperteza intelectual. Ao dizer que é um vilão modesto que só usa coisas mais baratas, pois seu foco principal é ensinar lições, o Coringa nos mostra que, por mais que seja de forma macabra e mortal, ele não mata pelo prazer de matar, e sim pelo impacto mental que aquilo irá causar... Ele apenas usa o dinheiro para comprar o número necessário de armas de ataque, mas não tem uma vida luxuosa como, por exemplo, a dos mafiosos italianos. Não estou defendendo de modo algum os atos de violência do Coringa, e sim a sua idéia sobre consumo e sociedade... O que soa interessante é o fato de o Batman ser um símbolo nos EUA, ou seja, é a consagração do poder capitalista desta potência. E o Coringa, considerado vilão, tem uma idéia de desdém pelas riquezas exorbitantes desejadas pela maioria dos entes da atualidade e, consagrada, pela burguesia elitizada, ou seja, não bastasse ser apenas oposto ao Batman, também é oposto aos EUA, que mostram exatamente aquilo que consideram uma ideologia da “vilania”, pois é algo completamente oposto aos interesses deste sistema político (que virou social, econômico, ou seja, passou a dominar a realidade).
Harvey Dent também soou muito interessante a meu ver... Ele até mesmo ilustra parte do que meu pseudônimo significa:
Mahatma Naiads...
Mahatma > Gandhi, símbolo da luta não-violenta, consagração do pacifismo.
Naiads > As náiades, deusas gregas sedentas por vingança, uma consagração da agressividade.
Estes dois nomes mostram o que está acontecendo com a sociedade atual, que fica dividida entre atos de paz e guerra, uma sociedade não sabe em que face da moeda se encaixaria. Assim é Harvey Dent, o famoso Duas - Caras, que inicialmente possui apenas a face do bem (que pode ser vista em sua moeda que possui duas faces idênticas), é o típico herói bom moço dos filmes que movido pela “hybris”, pela raiva, pela angústia, pela agressividade, passa a ser um ente do mal. A queimadura consagra visualmente o lado mau do personagem, que pode ser visto também na moeda que passa a ter uma das faces queimada. Quando já está dominado pelo caráter vilão, o ato de Harvey/Duas Caras de jogar a moeda para definir se uma pessoa viverá ou não pela sorte mostra que ele está ciente de que ainda existe o bom moço inicial, porém, o acaso irá julgar se você será tratado bem pelo promotor bonzinho, ou pelo traumatizado e maléfico vilão final. Isto mostra que depressão (que foi causada pela perda de Rachel Dawes) pode gerar sentimentos perigosos e dolorosos. Aqui gostaria de homenagear o ator Heath Ledger que se demonstrou incrivelmente talentoso como o Coringa e que, encontrou a perdição no mesmo mal que dominou Harvey, a depressão. O desejo de vingança transformou um coração puro em algo duro, feito pedra, que apresenta uma frivolidade atemorizante. Engraçado é que não consigo apagar a imagem de Aaron Eckhart (ator que dá vida ao Harvey Dent) como protagonista do filme de argumentação “Obrigado por fumar”, mas tudo bem... Este filme pode ficar para um próximo post...
Outra idéia apresentada no filme que pode ser muito interessante: um herói corre o risco de viver o suficiente para ver a si próprio tornando-se um vilão. Mostra que a vida apresenta situações de risco que podem fazer até o mais bonzinho tornar-se alguém do mal. Às vezes é algo instintivo, que não conseguimos controlar. Batman tenta parar antes de tornar-se um vilão, assim como aconteceu com Harvey, mas sabe que isto pode não ser controlado, ou seja, sem perceber, o herói poderia converter-se a vilão... Iniciando uma carreira que antes ele próprio lutava para combater...
Ao ler o meu post, o leitor pode perceber que nem sempre o protagonista funciona como epicentro de um filme. Análises muito mais ricas podem ser feitas sobre os vilões do que sobre o próprio herói mascarado...
Como é de praxe, termino o texto com alguma alusão, neste caso, com uma música da banda Ultraje a Rigor que foi cantada pelo apresentador Marcos Mion no programa Quinta Categoria da Mtv que abordava o tema “suborno”. Relacionando ao oposto ideológico de Coringa e mostrando o desejo da sociedade por dinheiro e aspectos superficiais, passo a vez, agora, ao cantor Roger:

“Mim quer tocar... Mim gosta ganhar dinheiro... Dinheiro!
Me want to play... Me love to get the money... The money!
Mim é brasileiro… Mim gosta banana… Banana!
Mas mim também quer votar... Mim quer ser bacana... Bacana!”

Um abraço!

Mahatma Naiads (ou Harvey Duas - Caras, não sei o que representa esta antítese de forma melhor)

6 Responses to "“Mim gosta ganhar dinheiro”"

Luiza Miranda Says :
2 de agosto de 2008 às 19:43

Adorei esse filme.
Porque além de ter tudo que um grande blockbuster de ação necessita e mais essas questões psicológicas que você abordou.
Além de tudo que você falou Coringa também age como um "filtro" até mesmo para os vilões. Como disse, deve ter algo além do dinheiro e do poder, que são dispensáveis, eles têm que mostrar a sociedade que eles não são certinhos e bonzinhos, as coisas não são como pensamos, e deve-se agir com astucia, sem planos (só me pergunto se ele mesmo não utilizou desses meios). Para ele ninguém é incorruptível, como acabou acontecendo com o certinho promotor Harvey Dent e como ele queria que aquelas pessoas se portassem a eminência da morte. Acho bem construtivas essas histórias que focam não no personagem principal bonzinho, afinal, como o Coringa sugere, nem tudo é perfeito, sem defeitos.

Mahzinha Says :
2 de agosto de 2008 às 22:50

Errado, certo, bom, ruim, imagens, idéias. Somos, ainda quando pequenos, forçados a enxergar uma realidade, o que é mal, o que é certo, o que é errado.
Err... odiei ter lido spoilers sobre o filme, e teve horas q eu literalmente boiei, eu sei, você avisou, mas isso não me deteve. Sou_MUITO_ curiosa. xD

Matheus de Carvalho Says :
3 de agosto de 2008 às 01:31

Texto muito bom, notei muitos fatos presentes no texto quando assisti o filme, mas houve coisas que eu tenho que admitir, nem passaram pela minha cabeça.
É interessante pensar nisso, o herói capitalista e o vilão que mata por um ideal.

Chel Lima Says :
3 de agosto de 2008 às 12:01 Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo Says :
3 de agosto de 2008 às 12:08

Adorei o comentário, eu também enxerguei muitas coisas no filme, mas outras eu nem percebi.
O ator que faz o coringa, ficou um mês trancado num quarto de hotel, treinando o persongem, o modo de falar de andar.
(:

Anônimo Says :
13 de setembro de 2008 às 22:57

Ótimo post.
Tem umas coisas que realmente você nem repara (tudo bem que eu nem assisti o filme, mas...). Mas acho que se analisarmos mais a fundo outros filmes norte-americanos, vamos perceber outras mensagens desse tipo. Afinal de contas os Estados Unidos sempre tentam vender o ideal capitalista.

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